Um mês após o casamento, em busca de cura para dores causadas pela endometriose, a técnica de enfermagem Bruna Conceição dos Santos, 25 anos, se submeteu a um tratamento com fenol em uma clínica particular do Distrito Federal, em maio de 2024. Após o procedimento, ao invés de alívio, perdeu os movimentos das pernas e os sonhos.
O sonho da maternidade é praticamente impossível. “Por contas das duas situações, e a real situação em que me encontro, na perda do movimento das pernas. E também pela endometriose. Na última consulta, o médico perguntou se eu tinha o desejo de ter filhos. Eu falei que sim. E ele se manteve calado. No momento, não é possível”, contou.
Segundo Bruna, a perda de movimento nas pernas é irreversível. A técnica de enfermagem passou a fazer fisioterapia para evitar a atrofia dos membros.
A Defensoria Pública do DF (DPDF) entrou com uma ação na Justiça contra a clínica particular L’Essence e o médico Lucas Franca, responsáveis pelo procedimento. Segundo o órgão, houve suposta imperícia médica. Ambos negam falha no atendimento (leia mais abaixo). O caso é investigado pelo Conselho Regional de Medicina (CRM-DF).
Antes de perder os movimentos dos membros inferiores, Bruna gostava cantava. Depois do procedimento se isolou, mas, agora, decidiu voltar para música na igreja. Nas melodias, encontra forças para enfrentar os desafios.
“Me sinto como se estivesse em um buraco. Minha vida mudou por completo. Às vezes penso estar em um pesadelo, em que algum momento vou acordar e tudo vai passar. São muitas terapias com a psicóloga. É muito difícil aceitar, me ver em uma cadeira de rodas e ter uma vida totalmente dependente. Não posso ir ao banheiro”, comentou.
Antes, mesmo com as dores provocadas pela endometriose, Bruna vivia com intensidade. Tinha prazer em arrumar a casa. Amava ir ao trabalho. E nos momentos de descontração, praticava corrida, andava de patinete e pedalava. Para a técnica de enfermagem, ficar na cama ou na cadeira de rodas é extremamente depressivo.
“Eu tinha acabado de voltar de uma lua de mel maravilhosa. Estava começando uma vida. O baque foi enorme”, afirmou. O marido de Bruna, Maxwell Gonçalves Dourado, 30, passou a trabalhar em casa para cuidar da esposa. Com amor e dedicação, provê todas as necessidades da companheira, do banho à alimentação.
Neuroestimulador
Bruna começou a sentir dores em 2022 no abdômen e na região pélvica, especialmente ao sentar. Buscou tratamento e um médico recomendou o implante de um neuroestimulador sacral. Mas os custos com profissional para o procedimento não estavam cobertos pelo plano de saúde da técnica de enfermagem.
Bruna procurou uma clínica que fizesse o implante pelo plano e, assim, chegou à clínica L’Essence. No local, o médico disse que ela teria que passar por procedimentos que seriam requisitos para o implante.
A paciente passou por 10 sessões de bloqueio venoso simpático para aliviar a dor, mas não houve melhora. O médico sugeriu um bloqueio do nervo hipogástrico com anestésico, no centro cirúrgico. Sem sucesso, o profissional, então, teria indicado um bloqueio do nervo com fenol.
“O fenol iria destruir o nervo que irradiava a dor para o meu cérebro. Ia queimar esse nervo. Quando saí do procedimento, estava na cadeira de rodas. Perdi as forças motoras das minhas pernas”, relatou.
Sem conseguir ficar em pé, Bruna buscou explicações junto ao médico e à clínica. “Fizemos exames. E ele disse que eu tinha hérnia de disco. Fiz ressonância, mas não deu hérnia de disco. A partir daí não tive mais assistência do doutor”, contou. De acordo com Bruna, exames comprovaram a destruição dos nervos, por isso, o quadro seria irreversível. A família buscou o CRM-DF, a DPDF e um novo tratamento.
“Não quero que outras pessoas passem pelo o que passei. Quero que avaliem bem o médico nas consultas e para fazer procedimentos. Que elas peçam os riscos da cirurgia. Não vão apenas pela confiança”, pontuou.
Risco do fenol
Do ponto de vista do defensor público e chefe do Núcleo de Assistência Jurídica de Defesa do Consumidor (Nudecon), Antônio Carlos Cintra, o caso é um exemplo dos riscos do fenol. Segundo o defensor, chama a atenção a opção do médico acusado em usar a substância ou invés de realizar o implante previamente recomendado.
“Informação passada para Bruna foi insuficiente, mas em especial no que toca aos riscos do fenol. É uma clara negligência em não informar a paciente o risco. O estudos mostram que 3% a 5% dos casos acaba tendo lesão. Neste caso, a dor estava próxima a um nervo muito sensível e esse risco precisava ter sido informado”, alertou.
Para Cintra, também houve suposta negligência quando o profissional optou por um tratamento tão arriscado, quando havia opção menos arriscada. “E finalmente há uma imperícia no tratamento. Deixou uma paciente saudável sem a capacidade de deambular”, arrematou.
Um mês após a fenolização de Bruna, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) editou a resolução nº 2.384/24, proibindo o uso de fenol em procedimentos, pela elevada periculosidade. A ação da DPDF pede indenização por dano moral, estético, pensão vitalícia, pagamento de plano de saúde e custeio do tratamento de saúde.
Nossos pensamentos estão com Bruna e sua família neste momento tão difícil.
Nota de [Endometriose Mulher]
A história de Bruna Conceição, exposta pelo Metrópoles, traz à tona a realidade cruel da endometriose, uma condição que impõe dores análogas às de parto. Testemunhar uma jornada de busca por alívio culminar em uma tragédia como a paraplegia, além da manutenção dessas dores cruciais, é algo que nos causa profunda consternação e um nó no estômago.
'Endometriose e Mulher: É Isso?' Não. Simplesmente, não.
Enquanto porta-vozes e dirigentes há 20 anos na luta contra esta doença, afirmamos: a dignidade da vida e o bem-estar do paciente são inegociáveis. Não há dinheiro ou busca por lucro que justifique qualquer falha que resulte em tamanha perda. Este caso reforça nossa luta e o debate sobre a **responsabilidade e a ética inabalável** que devem nortear todo e qualquer procedimento na área da saúde.
Esperamos que o andamento jurídico deste caso seja conduzido com total sabedoria e, acima de tudo, com uma profunda **consideração pela preciosa e inestimável vida de Bruna.** Que a verdade prevaleça e que o sistema garanta o amparo necessário a ela. Bruna, sua vida importa. Contamos com sua força.
A história de Bruna Conceição, exposta pelo Metrópoles, traz à tona a realidade cruel da endometriose, uma condição que impõe dores análogas às de parto. Testemunhar uma jornada de busca por alívio culminar em uma tragédia como a paraplegia, além da manutenção dessas dores cruciais, é algo que nos causa profunda consternação e um nó no estômago.
'Endometriose e Mulher: É Isso?' Não. Simplesmente, não.
Enquanto porta-vozes e dirigentes há 20 anos na luta contra esta doença, afirmamos: a dignidade da vida e o bem-estar do paciente são inegociáveis. Não há dinheiro ou busca por lucro que justifique qualquer falha que resulte em tamanha perda. Este caso reforça nossa luta e o debate sobre a **responsabilidade e a ética inabalável** que devem nortear todo e qualquer procedimento na área da saúde.
Esperamos que o andamento jurídico deste caso seja conduzido com total sabedoria e, acima de tudo, com uma profunda **consideração pela preciosa e inestimável vida de Bruna.** Que a verdade prevaleça e que o sistema garanta o amparo necessário a ela. Bruna, sua vida importa. Contamos com sua força.
Outro lado
O Metrópoles entrou em contato com a clínica e com o médico envolvidos na denúncia. Ambos negaram qualquer falha no tratamento. Segundo a defesa de Lucas Franca, o tratamento foi indicado para um quadro de dor pélvica crônica refratária, resistente a múltiplas abordagens medicamentosas e fisioterápicas.
De acordo com o médico, a neurólise química do plexo hipogástrico superior com fenol é um procedimento previsto em protocolos internacionais de dor intervencionista, descrito em publicações médicas amplamente reconhecidas e adotado em centros especializados no Brasil e no exterior.
Em nota enviada a reportagem, garantiu ter informado os riscos do tratamento à Bruna. “A paciente foi informada sobre riscos, benefícios e alternativas terapêuticas, tendo sido colhido Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, validado pela equipe de enfermagem e arquivado junto ao prontuário hospitalar”, declarou.
Clínica
A L’Essence argumentou que os procedimentos ocorreram em dois hospitais com infraestrutura própria, equipe assistencial e responsabilidade direta pelos atos médicos executados em suas dependências. Alegou também que realiza atendimentos médicos especializados e procedimentos minimamente invasivos de baixa complexidade.
“Nos casos de neurólises e procedimentos de maior complexidade, é rotina da equipe encaminhar e realizar tais intervenções exclusivamente em ambiente hospitalar, justamente para assegurar os mais altos padrões de segurança ao paciente. A clínica não tem qualquer envolvimento direto com o evento clínico em questão, limitando-se ao acompanhamento ambulatorial da paciente antes do encaminhamento hospitalar”, declarou.
- Fonte da Notícia: Metrópoles / Metrópoles DF (publicado em maio de 2024).
Créditos das Imagens: Metrópoles / Foto de Arquivo Pessoal (para as imagens que representam a pessoa na cadeira de rodas e seu ambiente)
Créditos das Imagens: Metrópoles / Foto de Arquivo Pessoal (para as imagens que representam a pessoa na cadeira de rodas e seu ambiente)
Nenhum comentário:
Postar um comentário