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terça-feira, 17 de novembro de 2015

A Batalha da Guerreira Lívia Araújo: Falar de Preconceito é Falar de Endometriose

Antes de tudo quero aqui apresentar um projeto que busca mudanças da consciência coletiva mostrando soluções através da quebra do silêncio, trazendo visibilidade ao invisível, dando voz aos que gritam calados trazendo à luz para a conscientização social.




Destaco Gabriella Azevedo idealizadora do projeto "Quebre O Silêncio" uma mulher guerreira que muito tem lutado para a transformação do universo. Cuja proposta é:


 Criar um novo caminho para essa realidade que assombra boa parte da sociedade, seja nas escolas, no ambiente de trabalho ou nas ruas. Nós queremos mostrar o poder da empatia para quem pratica e/ou sofre por conta de um estilo de vida, cor da pele, religião, estilo de cabelo, ideologia, gosto musical, expressões corporais, deficiência física ou psicológica, sexualidade, enfim, qualquer escolha – ou fato – que gere um julgamento pelo seu direito de escolha de ser VOCÊ. Um individuo único e incomparável.


Queremos agradecer Gabriella  Azevedo por seu olhar além que entre tantos alcançou também as mulheres portadoras de endometriose.


 176 milhões de mulheres no mundo e entre 10 e 12 milhões de brasileiras sofrem com esta moléstia enigmática chamada endometriose .


Obrigada Gabriella e equipe de "Quebre o Silêncio".

Quem quiser ver, acompanhar este trabalho de respeito e amor ao próximo visite:

Quebreoseusilencio.com


Vejam a seguir:   


Entrevista Lívia Araújo 


      
A Batalha da  Guerreira Lívia Araújo: Falar de Preconceito é Falar de Endometriose



Lívia Araújo Nobre, 37 anos.

Sou gestora em Recursos Humanos.

Falar de preconceito é falar sobre a endometriose. É muito triste, porque ela vem de uma classe que deveria ajudar, que são os médicos. As primeiras demonstrações de preconceito que a portadora de endometriose sofre acontece nos hospitais, nas urgências e emergências, que são os lugares que deveriam nos dar apoio, porque eles não acreditam nas dores que sentimos, nem que os sangramentos que algumas portadoras têm são, de fato, graves.
Até o momento em que verificam que não é apenas um sangramento, e sim, uma hemorragia. Algumas portadoras passam por momentos de preconceito com a família, com os amigos. As portadoras sentem muita dor, elas sangram, mas as pessoas não acreditam que essa dor  chega a ser tão forte que impede de viver bem, de trabalhar, de estudar, de tudo.
Depois de 10 anos de vários tratamentos, de possibilidades diferentes de diagnósticos, como hemofilia, leucemia, anemia falciforme… Durante os 10 anos eu fui tratada com possibilidades e no final das contas, fui paciente de anemia crônica. A minha vida era tomar remédios para esse diagnóstico.
Minha primeira hemorragia aconteceu em 2006, e de fevereiro até novembro daquele ano, eu fiquei sangrando diariamente. A minha vida era do hospital para casa e de casa para o hospital. Esses 9 meses foram marcantes em minha vida, pois eu lutava contra algo que eu não sabia o que era. Até que no final de novembro, um determinado médico resolveu me avaliar em uma das idas à emergência e ele deu o diagnóstico possível de endometriose. Então aquele dia, para mim, foi marcante, porque eu fiquei super feliz por ter a possibilidade de saber o que eu tinha e sair daquela situação horrível. Eu queria mesmo saber o que eu tinha. Só sentia dor, só sangrava, estava totalmente isolada de todos, eu não saía. Esses 9 meses foram os piores dias da minha vida, dias que não consigo esquecer.

Vejo tantos relatos de portadoras que não tem apoio algum, hoje estou aqui porque tive apoio da minha família e dos meus amigos, sem eles, eu não teria superado isso de jeito nenhum. Porque não é fácil, é muito difícil.
A minha família é a minha base. E meus amigos sempre acreditaram em mim, minha família também.
O queriam assim como eu, era achar o porque daquele sofrimento.
E os 9 meses que passei sofrendo até encontrar esse diagnóstico, eles sofreram comigo. Nunca deixaram a peteca cair, muito pelo contrário, quando eu quis me entregar eles disseram que eu não podia fazer aquilo, que eles estavam lá e que conseguiríamos descobrir. É muito importante ter a família e os amigos por perto.
Há um mês eu passei por isso de novo, hoje, já sabendo o que eu tenho, e para onde vou eu levo a bolsa cheia de exames, com os laudos de que sou portadora de endometriose. Mês passado eu precisei utilizar a urgência do hospital que eu sempre vou, e quando  cheguei lá em um quadro de hemorragia, e muita dor, a atendente disse que eu tinha que esperar, que eu tinha que fazer o cadastro. Meu irmão já estava super nervoso porque estava vendo o que eu já estava sofrendo, e que eu só vou pro hospital quando está insuportável.
Meu irmão gritava pedidndo para me atenderem, dizendo que eu estava sangrando, que eu estava com dor. A atendente dizia que eu tinha que esperar, meu irmão ficou argumentando se eles iam deixar eu sangrar até morrer. Foi quando eu disse que não sabia se seria preciso sangrar até morrer, mas que já estava tudo sujo de sangue. Foi quando ela percebeu a gravidade da coisa e uma pessoa veio perguntat o que estava acontecendo e meu irmão justificou.
Eu só entrei porque eu tive que chegar a um nível de sangrar e fazer uma bagaceira para alguém ver que eu estava passando por aquilo. São situações que portadoras de endometriose tem que enfrentar constantemente em suas vidas.
O sangramento visível, imaginem a dor, que só quem sente sou eu. Até que alguém acredite que eu estou sentindo dor, a dor já terá aumentado muito. Com plano de saúde ou SUS, sempre será da mesma forma. Eu tenho plano e passo por isso, imaginem quem depende do SUS.

Ter sido vítima do preconceito mudou a minha compreensão sobre tudo, com certeza. Eu digo que tem uma Lívia antes da endometriose e uma depois dela. Sempre fui uma pessoa com muitos pudores, eu me considerava uma pessoa sem preconceitos. Depois que passei por tudo isso, com coisas relacionadas à saúde, as outras coisas que eu achava simples e que eu tinha preconceito forte, comecei a fazer uma autoanálise.  
Hoje me considero uma outra pessoa, porque nessa autoanálise eu me descobri uma pessoa muito preconceituosa. Agora tenho aquela filosofia de que “o que eu não quero para mim, eu não dou para os outros” e aprendi isso com a dor. Eu tive que passar por isso.



Um “objeto” que me representa é minha mãozinha, cheia de tratamentos. São 9 anos desde a descoberta. Vou para a 3ª cirurgia e ainda não consegui me livrar das medicações, e isso é o que me representa hoje, os remédios, que ainda me dão uma qualidade de vida. Por isso eu resolvi representar essa causa com a mão cheia de comprimidos. A portadora de endometriose não tem remédios específicos, apenas paliativos. 
Para quem passa pelo que eu estou passando, digo que continuem lutando. A partir de um momento que se tem um diagnóstico de qualquer doença que seja, você precisa abraçar esse diagnóstico e lutar contra essa doença e ter uma qualidade de vida. Você não pode se entregar.
E às pessoas que são preconceituosas com qualquer tipo de patologia ou com qualquer outra coisa, eu digo que espero que elas consigam ter amor. Primeiro, ter amor-próprio, depois aprender a amar os outros, porque a mudança que o mundo precisa é que, de fato, os seres humanos se amem.
O que falta neste mundo é amor. A partir do momento em que as pessoas se sentirem amadas, elas vão transmitir amor. O que mudará a humanidade é o amor, porque sem ele não somos nada, não somos ninguém.
Uma música que quebra o meu silêncio é Neguinho da Beija-Flor - Negra Angela
Essa música não tem nenhuma mensagem de esperança, mas faz eu lembrar muito do meu pai, que cantava comigo, foi muito presente em minha vida e que não tenho mais comigo. É uma música que eu escuto quando estou em momentos de dificuldade ou quando estou muito feliz. Essa música me faz levitar, me faz sair de mim.


Gabriella Azevedo em  Quebre o Silêncio